sábado, 1 de maio de 2010

Revista Veja São Paulo - Conheça Antonio Ferreira Pinto, o secretário de Segurança Pública

Em pouco mais de um ano, o ex-oficial da PM demitiu e expulsou 317 policiais civis e militares

Por Henrique Skujis | 05/05/2010

Pilhas e mais pilhas na mesa de Ferreira Pinto: 7 514 processos  administrativos contra policiais civis em um ano

Pilhas e mais pilhas na mesa de Ferreira Pinto: 7 514 processos administrativos contra policiais civis em um ano

por Fernando Moraes

Dois carros pretos, uma Blazer e uma Captiva, encostam diante do 91º Distrito Policial, na Avenida Doutor Gastão Vidigal, na Zona Oeste da cidade. Do primeiro, descem quatro seguranças — armados, mas discretos. Do segundo, salta um senhor de 66 anos, acompanhado de mais um brutamontes com uma pistola na cintura. Ele ajeita os óculos, abotoa o terno e, com as mãos para trás, entra na delegacia. Adianta-se às pessoas que aguardam a vez e, polidamente, pergunta pelo delegado. Os cidadãos, cansados pela espera, olham torto para quem parece, descaradamente, furar a fila. Passos tranquilos, como se andasse em casa, ele sobe as escadas e topa com o chefe do distrito, que não se dá conta da identidade daquele homem de cara fechada e cabelos brancos. “Prazer, Antonio Ferreira Pinto, secretário de Segurança Pública.”

O delegado gagueja um bocado, mas convida a inesperada visita para a sua sala. Logo, inicia-se uma conversa com cara de interrogatório. “Quantos inquéritos estão na sua mesa?”, “O atendimento ao público melhorou?”, “Receberam as novas viaturas?”, “A carceragem está em bom estado?” O secretário escuta queixas e elogios com atenção e vai ouvir o que têm a declarar os demais funcionários do distrito. “Sim, eu sei. A falta de escrivães é o gargalo da delegacia”, concorda com uma escrivã que pede mais contratações. “Mas vocês receberam os novos computadores e as novas impressoras, não?”, pondera. Pouco depois de uma hora de vistoria, Ferreira Pinto agradece a atenção, despede-se e embarca de volta no carro blindado.

O fato de não ser reconhecido pelos funcionários da delegacia não incomoda o secretário — nas outras sete visitas-surpresa feitas desde o começo do ano, ele também passou anônimo até se apresentar. Nascido no Tucuruvi, bairro da Zona Norte, filho único de um português que vendia verduras no Mercado Municipal, Antonio Ferreira Pinto assumiu o posto máximo da segurança do estado há pouco mais de um ano e não é de aparecer em reportagens. Os serviços prestados ao longo de sua carreira, no entanto, já deveriam ter lhe rendido mais fama. Para chegar ao topo, passou por desafios até mais duros que o atual. Em 2006, por exemplo, em meio às rebeliões e aos ataques promovidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), foi chamado pelo governador Cláudio Lembo para comandar a Secretaria da Administração Penitenciária, que ele mesmo havia criado a pedido do governador Luiz Antônio Fleury Filho dias depois da invasão do Carandiru, em 1992.

Fernando Moraes

Ida ao 91º  DP: ele não foi reconhecido pelos delegados nas oito visitas-surpresa  que fez desde janeiro

Ida ao 91º DP: ele não foi reconhecido pelos delegados nas oito visitas-surpresa que fez desde janeiro

“Assumi funções cruciais em dois dos momentos mais complicados da segurança pública: o Carandiru e o PCC”, diz Ferreira Pinto. “O que aconteceu no Pavilhão 9 foi um massacre”, afirma, sem demonstrar sombra de dúvida e dando a letra de que não tem papas na língua para, se necessário, criticar a instituição que comanda. Na época dos ataques covardes do PCC, chegou a ser acusado de usar dureza excessiva com os rebelados ao deixá-los por três semanas sentados em um pátio da penitenciária de Araraquara. “Não foi uma punição. Simplesmente eles destruíram tudo. Não havia onde colocar aqueles homens.”

A posse na Secretaria de Segurança Pública, em março de 2009, também ocorreu em ocasião conturbada. As corporações ainda digeriam a greve de 58 dias da Polícia Civil, que culminou no enfrentamento com a Polícia Militar nas imediações do Palácio do Governo em outubro de 2008. Além disso, o antecessor, Ronaldo Marzagão, pedira as contas devido ao acúmulo de denúncias de corrupção envolvendo seus comandados. A pior delas atingiu o ex-secretário adjunto Lauro Malheiros Neto, suspeito de cobrar propina para anular processos de punição contra policiais corruptos.

Quando já planejava se aposentar para afinal poder curtir a casa de madeira recém-construída em um condomínio fechado na Zona Norte (“Não tem uma viga de ferro nem de concreto”, orgulha-se), foi chamado pelo governador José Serra para apagar mais este incêndio. “Às vezes eu me sinto como o Gardelón”, brinca, referindo-se a um antigo personagem de Jô Soares, célebre pelo bordão “muy amigo” ao ser escalado para missões complicadas. “Não creio que seja uma sina. São desafios. E eu sempre me senti preparado para eles.”

Como andam os índices de criminalidade

Como andam os índices de criminalidade

Ao assumir o cargo, Ferreira Pinto falou em acalmar os ânimos das corporações, equipá-las, reduzir os crimes contra o patrimônio e, principalmente, combater a corrupção e os abusos de poder. Comprou, entre outros itens, quatro helicópteros, 1 700 viaturas, 15 000 computadores e garantiu que ninguém envolvido em denúncias graves ocuparia cargos de confiança em seu mandato. Desde então, começou a fazer uma faxina (ele não gosta do termo). Pela primeira vez na história, a corregedoria da Polícia Civil, à qual compete apurar denúncias contra policiais, passou a ser subordinada ao gabinete do secretário.

“É muito fácil declarar que sei da gravidade do fato e apenas mandar apurar”, afirma.“A responsabilidade também deve ser do titular da pasta.” De março de 2009 a março de 2010, instaurou 7 514 procedimentos contra policiais civis — nesse número estão incluídos desde processos por descumprimento de horário até desvios graves de comportamento. Foram 72 demissões, nove exonerações e 579 punições (suspensão, repreensão e advertência). “Mais do que os números, o importante é que a corregedoria passou a agir com rapidez e rigor”, diz Ferreira Pinto. “Quando eu cheguei, encontrei no Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) gente suspeita de envolvimento com o PCC, e no Denarc (Departamento de Investigações sobre Narcóticos) pessoas que haviam compactuado com o (megatraficante colombiano Juan Carlos) Abadía”, afirma. “Tirei sessenta pessoas logo de cara, e os envolvidos foram remanejados para delegacias afastadas ou até para funções administrativas.” Isso não significa, é claro, que esses policiais remanejados não continuem fazendo achaques por aí. A eventual expulsão dos suspeitos depende do término dos processos, o que, segundo a otimista previsão do secretário, pode ocorrer ainda neste ano. “Enquanto não houver certeza de que os corruptos realmente foram expulsos da corporação, fica uma sensação na população de que qualquer policial pode pertencer à parte podre da polícia”, diz o professor José dos Reis Santos Filho, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situação de Violência do Departamento de Sociologia da Unesp. Um episódio que representa a linha dura da corregedoria aconteceu no último dia 13, quando o departamento armou uma emboscada para prender três policiais do Deic acusados de corrupção. A operação terminou em troca de tiros, atropelamento e a prisão de dois suspeitos.

Na Polícia Militar, dona da própria corregedoria e que vive um momento delicado devido às acusações contra policiais suspeitos do assassinato de um motoboy na semana retrasada, o número de investigados em 2009 foi o maior dos últimos cinco anos: 563. As demissões e expulsões (quando o policial militar perde a patente) somam 245 de março de 2009 a março de 2010. “Na PM, as punições sempre foram mais severas. Existem inúmeros casos de oficiais superiores demitidos. Mas na Civil não vinha sendo assim, principalmente dos anos 90 para cá. Por isso trouxe a corregedoria para o meu gabinete”, afirma Ferreira Pinto. Desde então sua mesa ganhou a companhia constante de uma pilha de processos, seus sábados viraram dia útil e a tal casa de madeira, onde vive com a segunda mulher e o enteado — que acaba de seguir os passos do padrasto e se formar na Academia de Polícia Militar do Barro Branco —, passou a ser seu refúgio apenas aos domingos.

A falta de tempo também não permite mais que ele leia seu autor predileto, o francês Saint-Exupéry. “Mas deixe claro aí que não é ‘O Pequeno Príncipe’. Gosto muito de ‘Voo Noturno’ e de ‘Terra dos Homens’.” Sua leitura agora se resume a livros jurídicos e, claro, às dezenas de processos administrativos. O secretário também deixou de jogar futebol de salão com os amigos e de ir ao Pacaembu assistir ao Corinthians, seu clube de coração. Mas ele continua caminhando por uma hora, a partir das 6h15, pelas alamedas arborizadas do condomínio e relaxando por trinta minutos na sauna de sua casa todas as manhãs, antes de ir para o trabalho. Ferreira Pinto é daqueles que sabem a escalação e lembram placares e detalhes de jogos antiquíssimos. “Ele sempre gostou de futebol. Na academia, toda vez era escalado para a seleção”, diz o coronel da reserva José Vicente da Silva Filho.

O também coronel da reserva Niomar Cyrne Bezerra, instrutor de Ferreira Pinto nos tempos da academia, lembra que Toninho, como o secretário era chamado entre os amigos, “tinha inteligência e sagacidade acima da média” e não se importava em dedicar dias de suas férias para dar aulas particulares aos aspirantes com dificuldade em matemática. “Era muito bonito ver um jovem com menos de 18 anos ajudando os garotos que poderiam ser reprovados.” O bom relacionamento que Ferreira Pinto mantém com seus pares da PM, no entanto, não impediu que, meses depois de assumir, ele mexesse em pontos nevrálgicos das atribuições da corporação da qual foi tenente em Bauru (1968 e 1969) e capitão em Ourinhos (1970 a 1979). “Antigamente, era difícil encontrar ladrão com revólver. Hoje, estão todos com fuzil.”

Se, por um lado, Ferreira Pinto reestruturou a Rota (“É um instrumento eficaz, que a gente não pode ter medo de usar, mas sem excessos”), por outro, proibiu a expedição de Termos Circunstanciados (espécie de Boletim de Ocorrência) e determinou que toda escolta de presos — seja entre unidades prisionais, seja para audiência, seja para atendimentos médicos — passasse a ser feita por policiais militares, e não mais pelos civis. A medida, tomada em agosto de 2009, provocou protestos veementes. “Sou amigo dele, mas fui contra, porque muitos policiais que deveriam estar na rua agora precisam ficar levando presos para lá e para cá”, diz o coronel Bezerrra. O objetivo da mudança, explica Ferreira Pinto, foi permitir que a Polícia Civil se dedicasse à investigação dos crimes e traçasse inquéritos mais elaborados. “Investigar é a essência da segurança pública.”

O secretário gosta de almoçar com velhos e novos amigos, mas evita os restaurantes das redondezas da secretaria, na Rua Líbero Badaró. “Tem muito assédio, muito pedido... Quando vou ao restaurante Itamarati saio com pelo menos duas solicitações de audiência”, conta, referindo-se a um restaurante muito frequentado por advogados. Seu esconderijo, agora revelado, é a Cantina Roperto, no Bixiga, onde ele possui uma mesa cativa. Lá costuma pedir peixe e, vez ou outra, reúne-se com delegados. “É para evitar que sejam vistos entrando no meu gabinete, fiquem marcados como amigo do secretário e passem a sofrer pressão.” Ele não come carne vermelha nem fritura. Aos domingos, adora fazer feira (no Tucuruvi) e gosta de ir à igreja. “Eu me apeguei muito a Deus em 1974, quando perdi minha filha, de 1 ano e meio.”

Patrícia foi vítima de um choque anafilático durante um procedimento odontológico. “Foi o momento mais triste da minha vida. A saudade fica para sempre.” À tarde, costuma pegar um filme policial ou de suspense no Shopping Iguatemi, onde, de vez em quando, compra uma camisa ou uma gravata. “Sou um cara de hábitos modestos.” Com a mulher, Denise, assessora da presidência da Sabesp, que conheceu quando trabalharam juntos na Secretaria de Administração Penitenciária, gosta de jantar no Magari, na Rua Amauri, e no A Bela Sintra, na Rua Bela Cintra, onde invariavelmente escolhe bacalhau. Em casa, recebe os amigos, muitos da corporação, com vinho chileno, charuto cubano, ao som de Chico Buarque. Tem três cachorros: um dachshund, um westie e um vira-lata com jeitão de pit bull, que recolheu da rua. “Cuidamos dele e chamamos o Doutor Pet, do programa da Record, para adestrar”, diz Denise, empunhando uma garrafinha para borrifar água caso Mike ouse desobedecer ao homem mais importante na segurança paulista.

Controlar Mike, no entanto, é fichinha perto das queixas que rondam o gabinete do secretário. Apesar da reclamação dos policiais, Ferreira Pinto acredita que gente é o que não falta na Secretaria de Segurança Pública. São 130 000 cargos (95 000 na PM e 35 000 na Polícia Civil), o mesmo contingente desde o início da gestão Mário Covas, em 1995, suficiente para dar tranquilidade aos 42 milhões de habitantes do estado. “O que é preciso é racionalizar o efetivo e a distribuição dos distritos”, afirma. “Piracicaba tem 370 000 moradores e conta com sete distritos. É muito.”

José M. Leal, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, discorda. Ele diz que nem todos os cargos estão ocupados. “É necessário abrir mais concursos. Precisamos de 150 delegados, sem falar de investigadores, escrivães, agentes...” O secretário informa que em breve serão abertos 777 cargos de escrivão, que devem entrar no lugar dos quase 1 000 cargos de carcereiro, já que hoje poucas delegacias contam com cadeia. Dos 158 000 presos do estado, 9 400 estão em delegacias — um avanço conquistado durante a gestão de Ferreira Pinto à frente da Secretaria de Administração Penitenciária, de 2006 a 2009, quando 13 700 detentos se encontravam nessa situação. Quanto à questão salarial, outra demanda recorrente da polícia (e de quase todo lugar), o secretário mostra desconforto com o fato de a unidade mais rica da federação pagar o vigésimo pior salário (5 243,30 reais) para delegados em início de carreira).

O novo momento da segurança pública paulista surge também nos números. Todos os indicadores criminais, exceto homicídios e roubos a banco, caíram no primeiro trimestre de 2010 em relação ao trimestre anterior e igualmente se comparados ao mesmo período do ano passado. Os latrocínios (roubos seguidos de morte) despencaram 22%. Já os homicídios, que nos anos 2000 haviam caído 70%, subiram 7%. “Vamos nos debruçar sobre os números, mas chega uma hora em que é difícil reduzir ainda mais esse tipo de crime”, diz Ferreira Pinto. Para o coronel Alvaro Batista Camilo, comandante- geral da PM, 80% dos homicídios estão relacionados a drogas e álcool e são praticados em bares e pontos de tráfico da periferia. Sobre as seis mortes registradas em apenas três dias no Guarujá na se- mana retrasada, Ferreira Pinto assegura que a Polícia Civil está investigando e que “tudo leva a crer se tratar de disputa entre quadrilhas” de traficantes. “Enviamos a cavalaria, o canil e cinquenta homens da Rota para reforçar o policiamento.”

Tantos abacaxis para ser descascados e tanto apetite para mexer em assuntos delicados ao longo da carreira lhe renderam inimizades. “Várias pessoas que eram minhas amigas históricas se voltaram contra mim. Mas faz parte. Quem não tem inimigos não tem amigos”, filosofa. Seu rol de desafetos era maior (e mais perigoso), no entanto, quando comandou a Secretaria da Administração Penitenciária. À época, escutas telefônicas desvendaram um plano, já adiantado, para matar Ferreira Pinto e seu adjunto. “Os líderes do PCC diziam para um advogado do lado de fora do presídio que dinheiro não era problema.” A segurança foi reforçada e o advogado, preso. Com o término de sua gestão chegando — nada garante que continue no cargo mesmo em um eventual novo governo estadual do PSDB —, ele jura que não almeja voos mais altos. “Quero voltar para o Ministério Público, ir para o Pacaembu de bermuda, sem segurança, e ter mais tempo para curtir minha neta.” Se um novo muy amigo não aparecer no caminho, ele poderá fazer tudo isso.

Cinco décadas de polícia

1962 - Aos 19 anos, Antonio Ferreira Pinto entra na Academia de Polícia Militar do Barro Branco

1968 - Serve como tenente em Bauru

1970 - Serve como capitão em Ourinhos

1975 - Forma-se em direito no Paraná

1979 - Torna-se promotor de Justiça Criminal

1989 - Trabalha como assessor da Corregedoria-Geral do Ministério Público

1993 - Cria a Secretaria de Administração Penitenciária e atua como secretário adjunto

1998 - Forma-se procurador de Justiça

2006 - É empossado secretário de Administração Penitenciária

2009 - Aos 65 anos, assume a Secretaria de Segurança Pública


Delegado-geral da Polícia Civil: "reduzi os homicídios em 70%"

Domingos Paulo Neto foi empossado delegado-geral em 2009, o posto mais alto da carreira

Por Henrique Skujis | 05/05/2010

O delegado-geral da Polícia Civil, Domingos Paulo Neto: adeus ao  vermelho nas viaturas

O delegado-geral da Polícia Civil, Domingos Paulo Neto: adeus ao vermelho nas viaturas

por Fernando Moraes

Apenas Domingos Paulo Neto foi de terno e gravata. Era o primeiro dia de trabalho após dois anos de curso na Academia da Polícia Civil. Na hora da divisão das funções, o figurino lhe rendeu a melhor delas: fazer parte da escolta do delegado-geral da época. Corria o ano de 1976 e Domingos acabava de completar 19 anos. O episódio talvez explique algumas das medidas tomadas mais de três décadas depois, em março de 2009, quando ele foi empossado delegado-geral, o posto mais alto da carreira.

Domingos pediu aos delegados que passassem a vestir terno e gravata e tirou a cor vermelha das viaturas para baratear o conserto dos veículos acidentados e fazer um resgate histórico: os carros da Polícia Civil sempre foram pintados com as cores preta e branca. Além disso, acabou com os símbolos que representavam os diversos departamentos da Polícia Civil. “Tinha cachorro, coruja, tigre, águia...”, diz. “Agora, o único emblema é o da Polícia Civil.”

Desde o primeiro dia como policial (aquele do terno e da gravata), o paulistano Domingos, 53 anos, nascido e criado no Glicério, mantém um diário no qual relata, sem uma falta sequer, os detalhes das operações das quais participou. A primeira delas, por exemplo, como investigador do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), foi a busca ao maníaco do Brás, que matava mulheres e escrevia na parede com batom, esmalte ou sangue o nome da próxima vítima. “Após muita investigação, com direito a esconderijo dentro do armário de um hotel, a captura não foi possível porque nosso Fusca movido a álcool demorou para pegar.”

Como delegado titular, passou por cidades como Catanduva, onde se casou, e Catiguá. De volta à capital, um entrevero político fez com que sua carreira voltasse quase meia década. Foi remanejado como delegado assistente para distritos barras-pesadas na periferia de São Paulo, como Parada de Taipas, Parque Santo Antônio e Campo Limpo. “Não reclamei. Minha passagem por esses lugares foi uma lição de vida.” A sorte sorriu para Domingos em 1995, quando sua delegacia recebeu a visita do governador Mário Covas. “Ele viu os resultados e fui promovido à seccional de Santo Amaro.”

O passo mais largo, no entanto, veio quando Domingos assumiu a direção do DHPP. Durante sua gestão, entre 2001 e 2007, o número de homicídios despencou 70% no estado. Houve três estratégias para a relevante queda. “Fixamos equipes nos bairros para que os policiais pudessem conhecer melhor os locais e os moradores, usamos tecnologia para mapear cada tipo de crime por região e, por último, permitimos que os investigadores realizassem prisões.” No ano seguinte, ele foi para o Departamento de Inteligência (Dipol). Durante a greve da Polícia Civil, recusou-se a demitir um delegado a pedido de superiores. “Não queria cometer com ele a injustiça que fizeram comigo.” A atitude foi muito bem recebida pela corporação e, claro, está em destaque no seu diário.


Comandante-geral da PM: "o pior bandido é o de farda"

Desde 16 de abril de 2009, quando tomou posse, diz trabalhar doze horas por dia, sete dias por semana

Por Henrique Skujis | 05/05/2010

Alvaro Batista Camilo, comandante-geral da PM: ao ser nomeado,  deixou outros 36 coronéis para trás

Alvaro Batista Camilo, comandante-geral da PM: ao ser nomeado, deixou outros 36 coronéis para trás

por Fernando Moraes

O avô foi cabo da antiga Força Pública no início do século passado, lutou na Revolução de 1932, tomou dois tiros e foi preso. O pai chegou a sargento. O irmão mais velho também seguiu carreira militar e foi tenente-coronel. A filha já é aspirante a oficial. Não é exagero dizer que a Polícia Militar está no sangue do coronel Alvaro Batista Camilo.

Nascido em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, Camilo entrou na Academia de Polícia do Barro Branco em 1978, aos 17 anos. Patrulhou o centro de São Paulo, passou pelo Corpo de Bombeiros e foi parar na área de inteligência do Estado-Maior e da Secretaria de Segurança Pública. Em maio de 2007, foi promovido a coronel e ganhou “de presente” o comando da região central.

“Acontece tanta coisa no centro que precisei saber lidar com os mais diversos públicos: punks, professores, lojistas, GLS, o pessoal da galeria do rock, moradores de rua, ONGs...” Em seu primeiro ano de ação na área, caíram todos os índices de criminalidade (desde pequenos furtos até homicídios). O episódio mais marcante de sua passagem pelo centro foi a desocupação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, em agosto de 2007. Sob seu comando, a polícia conseguiu retirar sem uso de violência dezenas de alunos que planejavam acampar no prédio.

“Eu não conhecia o governador nem o secretário. Por isso, creio que foram esses resultados que fizeram com que eu fosse chamado para o comando- geral”, diz Camilo. Sua escolha causou polêmica no alto escalão. Jovem (49 anos completados na sexta 30), era o 37º coronel mais antigo da lista de 61. Como antiguidade no posto é um dos critérios hierárquicos da PM, pode-se dizer que deixou para trás 36 coronéis — nove deles, insatisfeitos, chegaram a pedir baixa após a indicação. Logo ao assumir, propôs que a corporação voltasse a se chamar Força Pública, nome que tinha até 1970. “Não conseguimos tirar o estigma que a Polícia Militar ganhou nos tempos da ditadura. Creio que esse nome aproximaria a corporação da população.”

Desde 16 de abril de 2009, quando tomou posse, diz trabalhar doze horas por dia, sete dias por semana. “Nos fins de semana, a mulher vem junto comigo para o quartel.” Conseguiu realizar concursos para aumentar o número de policiais (“Vamos passar dos 95 000”), instalou localizador nas viaturas, trocou a arma-padrão da corporação, que era um revólver 38, para pistola 40 milímetros (“A munição não transpassa o alvo atingido”) e deu força e visibilidade à corregedoria (“Expulsei um PM que roubou seis pares de meia numa loja do centro e já mandei prender até um coronel de três estrelas”). Fica indignado com policiais fora da lei. “O pior bandido é o de farda."

Fonte: Veja São Paulo

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