quinta-feira, 3 de junho de 2010

Cidade de São Paulo: Prefeito Kassab veta projeto de lei que cria apoio religioso na Guarda Civil Metropolitana

03/06/2010 - Diário Oficial da Cidade, página 1

RAZÕES DE VETO
Projeto de lei nº 51/08
Ofício ATL nº 80, de 2 de junho de 2010
Ref.: Ofício SGP23 nº 01473/2010
Senhor Presidente

Nos termos do ofício referenciado, Vossa Excelência encaminhou a esta Chefia do Executivo cópia autêntica da lei decretada por essa Egrégia Câmara nos termos do Inciso I do artigo 84 de seu Regimento Interno, relativa ao Projeto de Lei nº 51/08, de autoria do Vereador Cláudio Prado, que institui o Serviço Voluntário de Orientação Espiritual e Moral nos Hospitais Públicos Municipais e Guarda Civil Metropolitana de São Paulo.

A propositura prevê que o referido serviço será prestado mediante solicitação do paciente ou de seus familiares, não podendo estar vinculado a qualquer religião específica, e terá representantes dos diferentes credos existentes no país. Prevê, ainda, que a direção do hospital e da Guarda Civil Metropolitana deverão designar espaço físico e estrutura para sua implantação e funcionamento, a ser utilizado pelo Capelão Titular, bem como a celebração de termo de adesão entre a direção das unidades e o prestador voluntário, através de seu capelão.

Além disso, estabelece que o voluntário, dentre outras atividades, deverá prestar assistência religiosa, espiritual e moral; ministrar sacramentos às pessoas da comunidade hospitalar; prestar orientação religiosa e efetuar divulgação da cultura religiosa; programar e realizar comemorações ou eventos religiosos como Natal e outros dias comemorativos que especifica.

Observo, de imediato, que a criação de um serviço público de orientação espiritual assume características precípuas das atividades religiosas exercidas pelas igrejas. Com efeito, como se vê das atividades a cargo do voluntário, de marcado e acentuado caráter religioso, a instituição de tal serviço sob os auspícios do Município implica a violação direta do artigo 19, inciso I da Constituição Federal, que dispõe ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los ou manter com eles ou seus representantes relações dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

Nesse passo, cabe lembrar que a assistência religiosa tem sua previsão constitucional no artigo 5º, inciso VII, da Carta Magna, pelo qual é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. Esse direito constitucional, no entanto, se exerce em moldes totalmente diferentes daqueles alvitrados no projeto aprovado.
Com efeito, a assistência religiosa de que fala o citado dispositivo constitucional não configura uma política pública estatal, consubstanciada em serviço público, mas é estruturada de modo que os próprios religiosos a efetuem como prerrogativa de sua condição. Ao Poder Público cabe, única e tão somente, organizar essa forma de atuação.

Nesse sentido a União Federal editou a Lei nº 9.982, de 14 de julho de 2000, dispondo, em seu artigo 1º, que “aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais”. Tais religiosos deverão, em suas atividades, “acatar as determinações legais e normas internas de cada instituição hospitalar ou penal, a fim de não por em risco as condições do paciente ou a segurança do ambiente hospitalar ou prisional”.

Para concretizar esse direito, bem como para organizar o modo de seu exercício, no âmbito do Estado de São Paulo foi elaborada completa disciplina legal do assunto, mediante a edição da Lei nº 10.066, de 21 de julho de 1998, que dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva situadas no território do Estado.

Desta sorte, a assistência religiosa é circunscrita ao conceito legal de “serviços de capelania”, não como serviço público “strictu sensu”, mas como um conjunto de atividades que podem ser exercidas pelos religiosos, conforme definidas no artigo 5º, quais sejam “trabalho pastoral, aconselhamento, orações, ministério de comunhão cristã, unção bíblica e dos enfermos”.

Observa-se, ainda, que, diversamente do projeto aprovado, que submete o serviço à presidência de um capelão, formado em teologia, a legislação estadual não estipula essa exigência acadêmica, uma vez que a prestação da cogitada assistência é livre aos que foram indicados pelas associações religiosas regularmente instituídas. Além disso, pelo artigo 2º da citada lei estadual “é garantida a livre prática de culto para todas as crenças religiosas”.

Nessa perspectiva, nota-se a maior efetividade do sistema estadual, dada a grande diversidade religiosa que existe no país, ao permitir a livre participação dos religiosos, sem vinculação a um serviço público, nem subordinação a um ministro de determinada fé, propiciando-se o atendimento a todos aqueles que dele necessitem e queiram recebê-lo.

Cabe lembrar, a esse propósito, que, no Município de São Paulo, a Lei nº 14.413, de 31 de maio de 2007, contempla, no inciso XIX de seu artigo 2º, dentre os direitos dos usuários dos serviços e ações de saúde, o de receber ou recusar assistência religiosa.

Diante do exposto, verifica-se estar totalmente normatizado e garantido o acesso às mencionadas unidades municipais de todos os religiosos, de quaisquer credos, desde que atendidos os requisitos legais, a fim de que se habilitem a prestar a assistência religiosa de que trata a Constituição Federal, não se justificando a criação de um serviço público específico para tal finalidade.

Por fim, resta assinalar que, ao impor novas atribuições e respectivos encargos aos estabelecimentos hospitalares e à Guarda Civil Metropolitana, preconizando o cumprimento de providências de grande extensão, em virtude do número de hospitais e unidades envolvidos, o projeto de lei interfere na organização administrativa, cujo impulso legislativo compete privativamente ao Executivo, nos termos do artigo 37, § 2º, inciso IV, da Lei Maior local, malferindo igualmente o princípio constitucional da independência e harmonia entre os Poderes.

Por conseguinte, pelas razões expendidas, demonstrando os motivos que impedem a sanção do texto aprovado, vejo-me compelido a vetá-lo na íntegra, por inconstitucionalidade e ilegalidade, com fundamento no artigo 42, § 1º, da Lei Orgânica do Município de São Paulo, devolvendo o assunto ao reexame dessa Egrégia Câmara.

Na oportunidade, renovo a Vossa Excelência protestos de apreço e consideração.

GILBERTO KASSAB, Prefeito
Ao Excelentíssimo Senhor
ANTONIO CARLOS RODRIGUES
Digníssimo Presidente da Câmara Municipal de São Paulo

1 comentários:

Anônimo disse...

www.guardasmunicipaisbrasil.com.br/.../gcm/gcm.php?...4

Postar um comentário