Apesar de a arrecadação com multas crescer ano a ano, câmeras quebradas, frota em manutenção e semáforos inoperantes complicam ainda mais o tráfego paulistano.
Por Henrique Skujis | 24/02/2010
Oficina da companhia, na Barra Funda, na semana passada: pátio sempre lotado
por Fernando Moraes
Até o fim de 2008, todo dinheiro arrecadado com as multas de trânsito na cidade caía no caixa único da prefeitura e era aplicado nas mais diversas secretarias municipais. Essa foi, durante anos, a principal queixa dos diretores da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), empresa que tem a missão de minimizar os congestionamentos nos 17 000 quilômetros de vias paulistanas. A mudança — agora o valor arrecadado vai para o Fundo Municipal de Desenvolvimento de Trânsito (FMDT) — trouxe mais dinheiro para os cofres da CET. A arrecadação no ano passado foi recorde, e o orçamento aprovado para 2010 supera os 600 milhões de reais — quase 60% a mais que há cinco anos. Mas, a despeito dos números que, à primeira vista, impressionam, a CET trafega como se estivesse constantemente em ponto morto. Câmeras, radares e semáforos inteligentes sofrem com a manutenção deficiente. A frota anda capenga e faltam marronzinhos. Sua presença fora do centro expandido é irrisória.
Mario Rodrigues
Apagão nos semáforos: caos na Avenida Paulista às 19h48 do dia 2
Aproximadamente 87% do orçamento da CET (524 milhões de reais) vem de multas. É comum os motoristas reclamarem que os agentes de trânsito dão mais atenção às infrações que ao controle do tráfego. Não é verdade. “Não se multa o suficiente por aqui”, diz Luiz Célio Bottura, consultor em engenharia urbana. “Ao contrário, o que se vê é uma crescente impunidade. Para cada multa, milhares deixam de ser aplicadas.” Segundo dados da CET, apenas 11,3% da frota paulistana foi multada no ano passado. E os marronzinhos são cada vez menos responsáveis pelos flagrantes. No primeiro semestre de 2009, 36% das infrações foram anotadas por eles. Os policiais militares responderam por 11% e os radares por 53% — não à toa, entre os diversos equipamentos da CET, são eles que se encontram em melhores condições: 86% das 506 máquinas funcionam perfeitamente. Além da verba arrecadada com as multas, a empresa prevê contar, para 2010, com 78 milhões de reais oriundos de receitas como a venda de talões de Zona Azul e cobrança para a organização do trânsito em eventos particulares. Em 2006, a companhia arrecadou 4,8 milhões de reais com eventos desse tipo. No ano passado, esse valor subiu para 14,1 milhões.
Mario Rodrigues
Radar nos Jardins: os equipamentos são a maior fonte de renda da companhia
Não é de hoje que o sinal está vermelho na CET. Criada pelo então prefeito Olavo Setubal em 1976 para diminuir os efeitos das obras do metrô, a empresa enfrenta altos e baixos desde aquela época. “O prefeito Jânio Quadros acreditava que trânsito era questão de polícia e demitiu muita gente entre 1986 e 1988”, lembra Nelson Maluf El-Hage, ex-presidente da CET. No último ano da gestão de Celso Pitta (1997-2000), a companhia estourou seu orçamento em 44 milhões de reais. A situação não foi mais animadora durante o mandato de Marta Suplicy (2001-2004). Os congestionamentos, graças principalmente ao estrondoso aumento da frota e à quase estagnação da malha viária, não perdoaram tanta negligência. De 2006 para 2009, a velocidade média dos veículos nas ruas da capital caiu de 29 para 15 quilômetros por hora no pico da tarde (entre 17 e 19 horas).
Para atropelar essas estatísticas que assombram o dia a dia do paulistano, a CET teria de operar a todo o vapor. Não é o que acontece. Dos seus 818 veículos, entre motos, carros, picapes, caminhões e guinchos, 628 são destinados para a operação na rua. Em dezembro, 39% dessa frota estava parada à espera de manutenção, de acordo com o relatório mensal da companhia. Durante todo o ano passado foram adquiridos sete veículos — número ridículo numa cidade que licencia quase 1 000 novos carros, ônibus, caminhões e vans por dia. Isso mesmo. Por dia. Apesar de, segundo a CET, a idade média da frota ser de 8,7 anos, muitos agentes patrulham as ruas a bordo de Kombis e Gols comprados na década de 90.
Clayton de Souza/AE
Congestionamento na Marginal Tietê na sexta-feira véspera de Carnaval: de 2006 para 2009, a velocidade média caiu de 29 para 15 quilômetros por hora
Por circularem sem intervalo, quase 24 horas por dia, as viaturas requerem manutenção intensa. Como a oficina da companhia, na Avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda, tem capacidade limitada, muitos consertos são feitos em concessionárias autorizadas. Somente entre os dias 7 e 11 de dezembro, perto de 140 000 reais foram gastos com serviços e peças nessas oficinas terceirizadas. Em um dos encontros mensais com o presidente Alexandre de Moraes, na primeira semana de fevereiro, os funcionários reclamaram das condições da frota e ouviram promessas de investimentos. Segundo ele, 12 milhões de reais estão reservados para a compra de 142 motocicletas, 92 carros, 110 picapes, seis furgões e onze vans. “É difícil conseguir viaturas para enviar ao local das ocorrências”, explicou um atendente do serviço telefônico 1188. Essa linha, que em dezembro registrou o recorde de 74 447 ligações, recebe sugestões sobre o trânsito e comunicações de semáforos quebrados, além de avisos de acidentes e alagamentos. O paulistano pode se informar também sobre o rodízio, multas, recursos e veículos guinchados. Muitas dessas chamadas seriam de pessoas não atendidas na primeira reclamação.
O serviço telefônico estaria servindo para suprir a redução de Postos Avançados de Campo, em que marronzinhos observam o trânsito do topo de edifícios localizados em pontos-chave de São Paulo (eram cinquenta no início da década de 90 e atualmente são 33). Das 302 câmeras de monitoramento, 137 estão quebradas. Em toda a Zona Leste, apenas uma das 23 funciona. No Túnel Maria Maluf, nenhuma das dez existentes opera como deveria. O problema retarda a localização de acidentes e de carros quebrados. Os agentes, que só recentemente voltaram a usar rádios de comunicação no lugar dos ineficientes palmtops, demoram a chegar e o congestionamento ganha corpo de um minuto para o outro. A prefeitura admite a falha. Para 2010 estão prometidos 38 milhões de reais com o objetivo de melhorar o sistema de comunicação. A previsão é que até o fim de abril todas as câmeras voltem ao trabalho. “Já autorizei a revitalização”, diz Moraes, que é uma espécie de faz-tudo do governo Kassab e, além de presidir a CET, comanda a SPTrans e acumula as funções de titular das secretarias de Transportes e de Serviços.
Agliberto Lima
Central de monitoramento: falta de câmeras dificulta o contato com os agentes
Carência semelhante à das câmeras assola os semáforos inteligentes, que, sem manutenção, emburreceram. Dos 1 457 cruzamentos com a tecnologia, somente 225 (15%) estão em ordem, ou seja, trabalham conforme o tráfego de veículos nos arredores. “Quebrados, eles perdem a sincronia e embaralham tudo”, afirma Alexandre Zum, tecnólogo especializado em tráfego pela Universidade de Berlim. “Abrem fora do tempo e o tráfego não flui.” Outro problema é que, quando chove, muitas lâmpadas entram em contato com a água e queimam. Segundo especialistas, uma falha de quinze minutos no cruzamento entre duas avenidas movimentadas no horário de pico é capaz de provocar uma fila de até 1 quilômetro. Uma solução seria a troca das lâmpadas comuns por LEDs (diodos emissores de luz). Dos 6 004 cruzamentos semaforizados, só 711 dispõem de LEDs. A CET promete colocar a tecnologia em outros 1 000 cruzamentos até o fim do ano. Além de serem menos suscetíveis a apagões por causa da chuva, outra vantagem dos LEDs é que eles duram dez vezes mais e consomem 83% me nos energia que as lâmpadas comuns.
A falta de funcionários também é preocupante. Assim como o policiamento ostensivo desencoraja a ação de criminosos, a simples presença dos marronzinhos inibe as infrações e, claro, aumenta a fluidez. Dos 4 592 profissionais da CET, 2 280 são agentes de trânsito. Como 4 milhões de veículos saem às ruas diariamente, isso significa que, em média, há um marronzinho para cada 1 754 automóveis. Em Nova York, por exemplo, a proporção é de um agente para cada 637 carros. “E essa proporção não leva em conta os agentes afastados, em férias...”, diz Luiz Antônio Queiroz, presidente do Sindiviários. “Seria necessário ao menos o dobro desse contingente para enfrentar os problemas do trânsito da cidade.” Na Cidade do México, cuja frota é de 5 milhões de veículos, há mais de 10 000 funcionários no órgão que seria a CET de lá, contando aí os fiscais de trânsito e as pessoas que trabalham internamente.
Leo Feltran
O secretário Alexandre de Moraes: promessas de investimentos para 2010
Perder horas por dia em congestionamentos limita o direito de ir e vir e esgota a paciência do paulistano. Milhões de litros de combustível se evaporam e, por ano, 33,5 bilhões de reais são perdidos na cidade enquanto ficamos presos dentro do carro. Por tudo isso, a CET, apesar da inegável dificuldade, tem a obrigação de sair do ponto morto e acelerar para ajudar a melhorar esse cenário.
ALGUNS DADOS
Das 628 viaturas...
61% estão em operação
39% estão paradas
Dos 1457 semáforos inteligentes...
67% funcionam parcialmente
18% não funcionam
15% funcionam
Dos 506 radares...
86% funcionam
14% não funcionam
Das 302 câmeras de monitoramento...
55% funcionam
39% não funcionam
6% funcionam parcialmente
O TRÂNSITO DE SÃO PAULO TEM...
17 000 quilômetros de vias
60 000 cruzamentos
6 004 cruzamentos semaforizados
2,4 milhões de metros quadrados de sinalização horizontal
368 000 placas
20 placas danificadas por vândalos todos os dias
Fonte:
Veja São Paulo